segunda-feira, 6 de abril de 2015

Kurzweil, o visionário (quase) imortal

(publicado na revista Visão - edição especial Visão Futuro. 26.02.2015)

Famoso pelas suas descobertas e previsões, multipremiado inventor americano Raymond Kurzweil quer transcender a fronteira da vida humana e está a trabalhar para isso 
Por Clara Soares

Que idade vai ter daqui a 30 anos? O autor do livro A Singularidade Está Perto, lançado há uma década, fará 97 em 2045, no ano em que, segundo os seus cálculos, a inteligência artificial (IA) vai ultrapassar a inteligência humana e haverá uma fusão desta com a das máquinas. Na prática, teremos nanobots (micro dispositivos do tamanho de uma célula) dentro do nosso corpo a combater doenças e a expandir a memória e as competências cognitivas. Os avanços da tecnologia médica tornarão possível acrescentar mais de um ano à nossa esperança de vida, por cada ano vivido. Bem antes disso – entre 2020 e 2030 – é expectável que ultrapassemos os nossos limites biológicos e nos liguemos à internet por microchips implantados no cérebro. E que experimentemos a realidade pelos sentidos de outra pessoa, via wireless e em tempo real.





















imagem publicada em www.fayerwayer.com

Raymond Kurzweil, agora com 67 anos, há algum tempo que investe na sua reprogramação bioquímica, seguindo uma dieta não convencional, com o apoio de um médico que partilha as suas convicções. O seu regime alimentar inclui a ingestão diária de vários copos de água alcalina e chá verde, um copo de vinho e 150 suplementos alimentares (chegaram a ser 250, desde que, aos 35 anos, lhe diagnosticaram diabetes tipo II). O futurista nova-iorquino tem até um plano B, caso a vida lhe pregue a partida antes do tempo (como aconteceu com o seu pai, vítima de enfarte aos 58). Envolve criopreservação e clonagem. Mas já lá iremos.

Estamos a falar do diretor de engenharia do Google, contratado pelo CEO, Larry Page, para «trazer a compreensão da linguagem natural» ao gigante tecnológico. Do fundador da Universidade da Singularidade, no espaço da NASA e financiada pelo próprio Google, com a intenção de preparar, em nove semanas, uma tropa de elite para lidar com possíveis efeitos adversos da nanotecnologia, como o risco potencial da replicação descontrolada de nanobots (onde é que já vimos isto? Em Blade Runner, de Philip Dick?)

Ray, como também é conhecido, tinha cinco anos quando quis ser inventor. E foi. Conseguiu construir e comercializar sistemas de reconhecimento ótico de carateres, conversores de textos escritos em voz, para invisuais, sintetizadores de voz e outros, capazes de imitar com precisão o som de instrumentos reais, como o piano. Hoje é reconhecido como um dos revolucionários que fez a América e além de aplicar a tecnologia à arte, dedica-se sobretudo à investigação do cérebro humano, que pretende aplicar à construção da inteligência artificial.

Previsões de um Agnóstico
Aos olhos do cidadão comum, Ray Kurweil tem uma vida normal e uma veia empreendedora. Filho de artistas e ascendência judaica, aprendeu com o tio, que trabalhava na IBM, o b-a-ba sobre computação e nunca mais parou (o Wall Street Journal chamou-lhe «o génio Incansável»). Todas as empresas que criou tiveram sucesso e vendeu-as, permanecendo como consultor de boa parte delas, sem nunca lhe faltar espaço para a vida familiar. Casou com a psicóloga infantil Sonya Rosenwald Fenster antes de fazer 30 anos e tiveram dois filhos (Ethan trabalha em capital de risco e Amy é coreógrafa).

O que distingue um visionário são as suas singularidades. Agnóstico e adepto do pampsiquismo (doutrina que advoga a existência de uma consciência universal e a hipótese de as nossas mentes estarem ligadas, de modo não causal), Kurzweil surpreendeu tudo e todos quando as suas previsões (feitas em 1990 para o início do século XXI) se confirmaram. Levá-lo a sério constitui um desafio empolgante, embora arriscado.

Testar e expandir os limites da vida é o seu projeto mais insólito. Pouco depois de atingir meio século de existência, Kurzweil associou-se a uma empresa especializada e, quando morrer, revelou numa entrevista à Wired, será vitrificado em nitrogénio líquido e injetado com criopreservantes. A ideia é
preservar o seu corpo e conseguir restaurá--lo na altura certa e, eventualmente, fazer o mesmo com o pai. Como? Sim, Kurzweil admitiu há alguns anos à Rolling Stone o desejo de fazer uma cópia genética do seu pai, Frederic, a partir da exumação e extração do seu ADN e implantar num clone as memórias que tem dele. Ficção? Talvez sim, talvez não. Perto de 2045, falamos.

Uma Vida Invulgar
Datas marcantes no percurso de Kurzweil

1948: Nascimento
 5 anos: Exposto a diferentes filosofias, decide ser inventor
14 anos: Ávido leitor de ficção cientifica, fazia jogos e teatros robóticos e apresentou a sua teoria do neocórtex à Westinghouse Science talent Search e torna-se um dos vencedores, conhece o presidente Johnson
15 anos: Escreve o seu primeiro programa de computadores
17 anos: apresenta num programa de tv uma peça de piano composta p um computador criado p ele e ganhou um premio, sendo homenageado pela casa Branca
20 anos: No MIT, funda empresa que usava programa para combinar estudantes e universidades, que vende por 100 mil dólares e royalties
22 anos: Bacharelato em ciência de computação e literatura (1970)
26 anos: Funda empresa com o seu nome, com o primeiro sistema de reconhecimento ótico de carateres
27 anos: Casa com a psicóloga Sonya Rosenwald Fenster
28 anos: Digitalizador CCD e sintetizador de voz, que levou Stevie Wonder a comprar a primeira versão e a iniciar uma longa amizade com ele.
30 anos: Vende a empresa à Xerox e ficou como consultor ate meados dos anos 90

34 anos: Funda a Kurzweil Music Systems e, dois anos depois, o Kurzweil k250, o primeiro sintetizador capaz de recriar o piano e outros instrumentos de orquestra, empresa que vende à coreana Young Chang, oito anos mais tarde
35 anos: sofre de intolerância a glucose e conhece o medico Terry Grossman, com convicções não convencionais semelhantes às suas e dedica-se a um regime com 250 suplementos, 8 a 10 copos de agua alcalina e 10 copos de cha verde diariamente, para «reprogramar» a sua bioquímica. 
39 anos: (1987) cria a Kurzweil Applied Intelligence (KAI) para dv sistemas comerciais de reconhecimento da fala 
42 anos: Funda a Medical Learning Company (programas interativos para médicos e a KurzweilcyberArt.com e publica The Age of Intelligent Machines (1990). O seu pai morre com 58 anos, vitima de enfarte
45 anos: Publica livro sobre nutrição em que advoga o corte de calorias/gorduras consumidas para 10% do atual
48 anos: Lança a K Educational Systems (dv tecnologias de reconhecimento de padrões  para pessoas com deficiências como cegueira e dislexia)
51 anos: lança The Age of Spiritual Machines (1999) sobre o futuro da tecnologia, onde prevê que os computadores iriam ser superiores à mente humana e na capacidade de tomar decisões de investimentos lucrativos. Conquista prémio National Medal of Technology (1999), pela mão de Clinton, na Casa Branca
57 anos: K-NFB Reader; dispositivo c câmara e computador, permite a leitura em voz de texto escrito e colectar texto por imagens e lança o livro A singularidade está perto: uma história verdadeira sobre o futuro (2005)
61 anos: Em colaboração com a Google e a Nasa, anuncia a criação da universidade da Singularidade para executivos e oficiais governamentais, com a meta de inspirar lideres a inovar. O programa tem 9 semanas e assenta no conceito de Vernor Vinge, escritor e cientista de computação
62 anos: É lançado um documentário sobre a sua vida, O Homem Transcendente
64 anos (2012): É contratado pela Google para desenvolver projetos de aprendizagem de máquinas e processamento e lança livro, Como Criar uma mente: O segredo do pensamento humano revelado
66 anos: Defende que duplicar a arquitetura cerebral em máquinas pode conduzir a uma super inteligência artificial
2045: É a data em que, acredita, teremos descoberto o segredo da imortalidade. Se lá chegar, terá 97 anos


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