terça-feira, 8 de junho de 2010

A Sombra

A Sombra




É a nossa mais fiel companheira e contudo pouco sabemos dela. A sombra exerce por isso um forte poder de atracção sobre nós. O filósofo Platão conhecia o poder dessa entidade «fantasma», alcunhada, com alguma propriedade, de «controladora». Na Alegoria da Caverna, o mestre da Antiguidade Clássica fala de prisioneiros que nunca saíram de uma gruta, vendo as sombras de homens no exterior, projectadas pelo fogo, na parede da caverna, e tomando-as por reais.

Quem nunca chega a Ver a essência das coisas – à luz do dia - permanece na ilusão sobre si e o mundo. Na escuridão, na cegueira. No crepúsculo, ficamos mais vulneráveis ao poder da sombra, como sugerem as histórias sobre vampiros, lobisomens e outras figuras cinzentas (agentes secretos, que lidam com coisas ocultas ou informações confidenciais, que não podem vir à superfície). Elas falam de coisas universais e humanas, que se passam «às escuras» e fora do controlo da mente consciente.

O cérebro humano processa 2,000,000 unidades de informação por segundo, mas boa parte desse material não está acessível (não apreendido, intuído). Desejos e medos, memórias, competências que aprendemos, crenças acerca de nós e do mundo, e padrões de comportamento são armazenados no «chip», e surgem, frequentemente, sob a forma de respostas automáticas (temo-las sem dar conta).

Há momentos em que essa sombra - sempre à espera de uma brecha, um ponto de fuga qualquer no sistema de defesas – ganha força e contornos diante de nós: assume o comando e não temos mão nela. O confronto enfurece e intimida, mas traz consigo a possibilidade de despertar. O médico suíço Carl Jung costumava aplicar um exercício nas suas aulas, que consistia em «conhecer a sombra». Os alunos eram convidados a pensar, durante alguns segundos, em alguém de quem não gostassem ou com quem não se dessem bem. De seguida, era-lhes pedido que fizessem uma lista de características desconfortáveis associadas a essa pessoa. Após esta tarefa, as pessoas liam em voz alta as suas anotações. No final, era-lhes dito que esse grupo de tópicos eram, nada mais, nada menos, que o retrato do «lado sombra» de cada um.

Aspectos que detestamos nos outros e nos tiram do sério são muitas vezes aqueles que não conseguimos assumir – ou negamos – em nós. Mas estão lá e são reconhecidos – e projectados – nos outros. Assim se explica, no ponto de vista Junguiano, o facto de manter, por exemplo, uma relação conflituosa ou insatisfatória com alguém, a coincidência de atrair sempre o mesmo tipo de parceiro, de chefe ou de situações problemáticas, quando isso se quer evitar a todo o custo.

Os protagonistas desses «infernos» espelham, afinal, coisas que, sendo também nossas, rejeitamos e «empurramos» para fora de portas, como se nunca nos tivessem pertencido. «O mal são os outros», «Eu sou bom, tu é que não me mereces, porque és mau (ou fraco, etc)», são apenas variações da dualidade humana, tão bem ilustrada na lenda clássica da época Vitoriana, Dr Jekyll & Hyde, ou na saga que envolve o sinistro Joker e o heróico Batman.

O lema «já que não o podes vencer, alia-te a ele» aplica-se ao inconsciente. Aceitar a sua própria sombra é reconhecer o poder (do inconsciente) que habita em nós. Conhecê-la, tratá-la por «tu», e descobrir os segredos que encerra, é a chave para a transformação pessoal.

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